quinta-feira, 11 de junho de 2009

Acontecimento na USP

Primeiramente um vídeo.



Agora um pequeno texto, com a visão de um dos professores.
Prezados colegas,

Eu nunca utilizei essa lista para outro propósito que não informes sobre o que acontece no Co (transmitindo as pautas antes da reunião e depois enviando relatos). Essa lista esteve desativada desde a última reunião do Co porque o servidor na qual ela estava instalada teve problemas e, com a greve, não podia ser reparado. Dada a urgência dos atuais acontecimentos, consegui resgatar os emails e criar uma lista emergencial em outro servidor. O que os senhores lerão abaixo é um relato em primeira pessoa de um docente que vivenciou os atos de violência que aconteram poucas horas atrás na cidade universitária (e que seguem, no momento em que lhes escrevo – acabo de escutar a explosão de uma bomba). Peço perdão pelo uso desta lista para esse propósito, mas tenho certeza que os senhores perceberão a gravidade do caso.

Hoje, as associações de funcionários, estudantes e professores haviam deliberado por uma manifestação em frente à reitoria. A manifestação, que eu presenciei, foi completamente pacífica. Depois, as organizações de funcionários e estudantes saíram em passeata para o portão 1 para repudiar a presença da polícia do campus. Embora a Adusp não tivesse aderido a essa manifestação, eu, individualmente, a acompanhei para presenciar os fatos que, a essa altura, já se anunciavam. Os estudantes e funcionários chegaram ao portão 1 e ficaram cara a cara com os policiais militares, na altura da avenida Alvarenga. Houve as palavras de ordem usuais dos sindicatos contra a presença da polícia e xingamentos mais ou menos espontâneos por parte dos manifestantes. Estimo cerca de 1200 pessoas nesta manifestação.

Nesta altura, saí da manifestação, porque se iniciava assembléia dos docentes da USP que seria realizada no prédio da História/ Geografia. No decorrer da assembléia, chegaram relatos que a tropa de choque havia agredido os estudantes e funcionários e que se iniciava um tumulto de grandes proporções. A assembléia foi suspensa e saímos para o estacionamento e descemos as escadas que dão para a avenida Luciano Gualberto para ver o que estava acontecendo. Quando chegamos na altura do gramado, havia uma multidão de centenas de pessoas, a maioria estudantes correndo e a tropa de choque avançando e lançando bombas de concusão (falsamente chamadas de “efeito moral” porque soltam estilhaços e machucam bastante) e de gás lacrimogêneo. A multidão subiu correndo até o prédio da História/ Geografia, onde a assembléia havia sido interrompida e começou a chover bombas no estacionamento e entrada do prédio (mais ou menos em frente à lanchonete e entrada das rampas). Sentimos um cheiro forte de gás lacrimogêneo e dezenas de nossos colegas começaram a passar mal devido aos efeitos do gás – lembro da professora Graziela, do professor Thomás, do professor Alessandro Soares, do professor Cogiolla, do professor Jorge Machado e da professora Lizete todos com os olhos inchados e vermelhos e tontos pelo efeito do gás. A multidão de cerca de 400 ou 500 pessoas ficou acuada neste edifício cercada pela polícia e 4 helicópteros. O clima era de pânico. Durante cerca de uma hora, pelo menos, se ouviu a explosão de bombas e o cheiro de gás invadia o prédio. Depois de uma tensão que parecia infinita, recebemos notícia que um pequeno grupo havia conseguido conversar com o chefe da tropa e persuadido de recuar. Neste momento, também, os estudantes no meio de um grande tumulto haviam conseguido fazer uma pequena assembléia de umas 200 pessoas (todas as outras dispersas e em pânico) e deliberado descer até o gramado (para fazer uma assembléia mais organizada). Neste momento, recebi notícia que meu colega Thomás Haddad havia descido até a reitoria para pedir bom senso ao chefe da tropa e foi recebido com gás de pimenta e passava muito mal. Ele estava na sede da Adusp se recuperando.

Durante a espera infinita no pátio da História, os relatos de agressõesse multiplicavam. Escutei que a diretoria do Sintusp foi presa de maneira completamente arbitrária e vi vários estudantes que haviam sido espancados ou se machucado com as bombas de concusão (inclusive meu colega, professor Jorge Machado). Escutei relato de pelo menos três professores que tentaram mediar o conflito e foram agredidos. Na sede da Adusp, soube, por meio do relato de uma professora da TO que chegou cedo ao hospital que pelo menos dois estudantes e um funcionário haviam sido feridos. Dois colegas subiram lá agora há pouco (por volta das 7 e meia) e tiveram a entrada barrada – os seguranças não deixavam ninguém entrar e nenhum funcionário podia dar qualquer informação. Uma outra delegação de professores foi ao 93o DP para ver quantas pessoas haviam sido presas. A informação incompleta que recebo até agora é que dois funcionários do Sintusp foram presos – mas escutei relatos de primeira pessoa de que haveria mais presos.

A situação, agora, é de aparente tranquilidade. Há uma assembléia de professores que se reuniu novamente na História e estou indo para lá. A situação é gravíssima. Hoje me envergonho da nossa universidade ser dirigida por uma reitora que, alertada dos riscos (eu mesmo a alertei em reunião na última sexta-feira) , autorizou que essa barbárie acontecesse num campus universitário. Estou cercado de colegas que estão chocados com a omissão da reitora. Na minha opinião, se a comunidade acadêmica não se mobilizar diante desses fatos gravíssimos, que atentam contra o diálogo, o bom senso e a liberdade de pensamento e ação, não sei mais.

Por favor, se acharem necessário, reenviem esse relato a quem julgarem que é conveniente.

Cordialmente,

Prof. Dr. Pablo Ortellado
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Universidade de São Paulo

Agora, algumas notícias veiculadas em portais, cada uma com seu respectivo link.

Link com fotos do acontecimento no UOL.
Para entender (superficialmente) os motivos da greve.

Reportagem da Folha nos momentos que aconteciam as coisas.

Um breve comentário a respeito. Não tentarei ser imparcial (isso é impossível), mas apenas expor alguns pontos que pareceriam pertinentes à conversa. Antes ainda, um pequeno vídeo de 40 segundos.


Não se pode mais depois de vê-lo jogar a culpa apenas ou na polícia ou na reitora, ou em quem quer que seja. Os estudantes cometeram abusos. Não vendo os encurralados como militares, mas como homens, é inadmissível que estejam dessa maneira acuados por outros homens, com dedos apontados para suas caras, ou com gritos (quer queira quer não) contra suas pessoas. 

Ao mesmo tempo, colocar a atitude da PM como correta seria insano, pois é evidente que passaram do ponto. A manifestação pode ter extravasado em momentos, e isso a caracterizaria como uma passeata menos pacífica. Mas também não chegou ao ponto de merecer bombas de gás e balas de borracha, e ainda por um tempo tão prolongado. É inadmissível da mesma maneira que professores levem spray de pimenta.

Mas analisemos o que causou essa movimentação: cronologicamente, a demissão do diretor do SINTUSP, Claudionor Brandão; o pedido de aumento; a greve; a breve invasão da reitoria; a chegada dos policiais militares com ordem judicial de reapropriação; e a manifestação de professores e alunos quanto à presença destes na USP; a manifestação; o abuso dos estudantes; o abuso dos policiais.  Enfim, pode ser que falte algum dado no meio dessa breve lista, mas para onde quero chegar, ela está ok.

Há uma cultura esquerdista de greve presente nas frentes sindicais, bem como nos movimentos estudantis, que chegaram ao ponto da caricatura. Assistir a uma assembléia geral dos estudantes da USP é uma experiência interessante para se perceber isso. A exaltação dos estudantes, que gritam e gesticulam ao microfone como se estivessem falando do holocausto nazista (mas que muitas vezes não passam da "burocratização da educação"), as evocações inflamadas a certas atitudes marcadas (greve e paralização), e o uso indiscriminado desses meios de protesto tornam o movimento estudantil quase uma piada. Não quero que o leitor pense que estou ridicularizando as pessoas que fazem parte dele, mas sim as atitudes a que estão acostumados, partindo universalmente de uma visão estruturalista de classes de cunho marxista, que exclui da realidade humana qualquer possibilidade não-política. É esse o grande entrave a que estão colocadas essas pessoas: estão imersos nesse universo onde tudo são "segundas intenções", e se perde o contato com a realidade imanente: que estão tratando com pessoas

E que pessoas são mais valiosas que pensamentos. O outro é mais importante que minha idéia de mundo. Indivíduos, não classes. Homens que pensam por si, sentem por si. Além do grupo. Além da instituição. E espero de verdade que em algum momento se abram para perceber isso.